20
de março, dia do Contador de Histórias. Agora há pouco, li um "TEXTÃO" do
Giuliano Tierno que me motivou a adentrar um pouco esta madrugada e retomar algumas reflexões
que fiz na minha pesquisa de mestrado sobre a arte e a ação de contar
histórias:
Certo
dia, quando trabalhei como arte-educador em uma escola municipal de Guarulhos, entrei numa sala de aula onde as
crianças terminavam de copiar a lição de História. A professora
havia escrito na lousa que os bandeirantes, ao entrarem nas matas, encontravam muitos
perigos como “animais selvagens e índios”. Fiquei horrorizado: era essa a
história que a professora estava contando; era isso o que as crianças estavam
aprendendo.
Há
um ditado africano muito conhecido que diz: “Até que os leões possam contar
suas próprias histórias, as histórias de caça sempre irão glorificar o
caçador”. É o que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie considera “o perigo
de uma única história”:
É assim que se cria uma
única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa,
repetidamente, e será o que ele se tornará. É impossível falar sobre única
história sem falar sobre poder. [...] Poder é a habilidade não só de contar a
história de uma pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa.
[...] A única história cria estereótipos. [...] A consequência de uma única
história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. [...] Histórias importam.
Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar
maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias
podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa
dignidade perdida. (Trechos de sua palestra "O perigo da única história")
Na época,
comecei a pesquisar e a contar diversas narrativas, sobretudo brasileiras e de outros
países latino-americanos, que trouxessem abordagens mais críticas sobre nossa
História, ou melhor, sobre nossas muitas histórias. Perguntava-me (e ainda me
pergunto) como poderiam/poderão ser nossas ações cotidianas se tivermos mais
contato com essas histórias, ao invés daquelas que dizem que os índios eram
perigosos e os bandeirantes, heróis.
Para
finalizar estas reflexões, quero fazer uma homenagem a um grande contador de histórias latino-americano
que, pelo viés da literatura, criou um trabalho que pode servir como fonte e inspiração para nosso ofício: o escritor uruguaio EDUARDO GALEANO!!!
Uma poeta
norteamericana chamada Muriel Rukeyser disse uma frase que sempre me pareceu
esplêndida: “O mundo não é feito de átomos: o mundo é feito de histórias”. Eu
acredito que sim, porque são as histórias que a gente conta, que a gente
escuta, recria, multiplica, que permitem transformar o passado em presente, e
que também permitem transformar o que está distante em algo próximo, possível,
visível.
Faz pouco tempo, um
jornalista me falou: “Lendo seus livros, sinto que você tem um olho no
microscópio e outro olho no telescópio”. Eu achei uma boa definição das minhas
intenções, do que eu gostaria de fazer escrevendo: ser capaz de olhar o que não
se olha, mas que merece ser olhado; as pequenas, as minúsculas coisas da gente
anônima, da gente que os intelectuais costumam desprezar; esse micromundo onde
eu acredito que se alimenta de verdade a grandeza do universo. E ao mesmo tempo
ser capaz de contemplar o universo através do buraco da fechadura, ou seja, a
partir das pequenas coisas; ser capaz de olhar os grandes mistérios da vida, o
mistério da dor humana, mas também o mistério da persistência humana nesta
mania, às vezes inexplicável, de lutar por um mundo que seja a casa de todos e
não a casa de poucos e o inferno da maioria. (Trecho do programa “Sangue Latino”).